30.3.13

Devendra Banhart

Devendra Banhart, ou como gosto de dizer: "um banho de arte". Importado do Texas, crescido na Venezuela, incorpora aos ouvidos mais sensíveis o Freak folk. Com todo charme, delicadeza y colores:


http://www.nonesuch.com/albums/mala

Ossanha, traidor


Depois dele, não tive olhos pra mais ninguém. Na verdade os olhos estão sempre presentes e os olhares sempre são labaredas incandescentes,  mas aqueles olhos, aquela doce renúncia que o olhar entrega mesmo contra a vontade de todos os deuses, esse, não mais.
Ainda que houvesse presença quase que diária era como se nunca mais o tivesse visto. Como se aquele corpo carregasse um outro alguém que eu não tinha mais tanta certeza de conhecer, mas eu conhecia, e amava. Amava e conhecia. O que eu não conhecia era Ossanha. Dentro de mim, Ossanha. Alquimia do amor, Ossanha. Coitado do homem que cai, no canto de Ossanha. Traidor.
E fez-se poesia, e fez se alquimia e pulsavam os tambores enquanto me punha a pensar que depois dele, não tive olhos pra mais ninguém. E todos os deuses se levantaram para me dizer que eu não me enganasse, que Ossanha me tinha olhos vis, olhos dissimulados, como os de Capitu.
Que grande loucura, olhos, Capitu, Ossanha. Quem é que compreende os expoentes de nossa geração? Ginsberg, Assis ou Vinicius? Capitu, o exponte com olhos de ressaca, filha de Ossanha, filha do mar. Ca.Pi.Tu.
E ainda assim, eu sentia: Depois dele, não tive olhos pra mais ninguém. E essa certeza me fez paralisar e repousar num abraço confortável. Em outros braços confortáveis Ossanha se fez, deixanado de lado qualquer desejo meu que não fosse compatível com o seu. E assim, fez-se mar.

Tábua de Esmeralda


Mil noites de verão,
o calor entrelaçante refutando leis da física
Tábua, rochas, preciosas, bem

Uma noite de verão,
a música continuou por outras longas noites
sem leis
nem pudor
nem ardor
nem enlevo

Ouvi uma vez,
num desses tantos vinis, que um pecado leva a outro
outros tantos
nenhum

Outros lençóis,
sem o sabor adocicado
nem o nevoeiro dos cigarros
nem as mil noites de verão
ou a tábua, rochas, preciosas, bem

Mil noites de verão,
sem amanhã
ou perspectivas
ou conversas furadas fora daquele nevoeiro adocicado
das tábuas, dos cigarros, dos pecados

Sem amanhã
ou depois,
ou depois
a promessa silenciosa de mil noites de verão
doce nevoeiro de tábuas preciosas
refutando leis
reis
e jardins.


co-ra-gem, o cão covarde


Não enchia mais casa,
já não sorria
Perdera o brilho,
o encanto
a leveza
a destreza
a suavidade
a delicadeza
todo 'eza'
mistério

A dúvida puxa
lugar desconhecido
escuro
sombrio
fechado
pó, polvo, pueblo

Não
Eu disse não

Mas mais forte que o não
é a incerteza
a possibilidade
o querer
a possibilidade
o não saber dizer não
a possibilidade
o não querer dizer
a possibilidade
calar


Recusa, negação
Sim
Não que diz sim,
sim que diz sim,
talvez que diz sim
tudo diz sim
e eu continuo gritando
não
mas sem esforço de prová-lo
as asas tímidas quase não saem do chão