2.4.13

por Allen Ginsberg


      Com grandes olhos pacifistas e sensuais nas suas   
      peles morenas, distribuindo folhetos ininteligíveis,
    que apagaram cigarros acesos nos seus braços protestando contra  
      o nevoeiro narcótico de tabaco do capitalismo,
    que distribuíram panfletos supercomunistas em Union Suare,  

      chorando e despindo-se enquanto as sirenes de Los Alamos   
      os afugentavam gemendo mais alto que eles e gemiam   
      pela Wall Street e também gemia a balsa da Staten Is-   
      land,
    que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos, nus e  
      trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,
    que morderam policiais no pescoço e berraram de prazer nos  

      carros de presos por não terem cometido outro crime a não   
      ser sua transação pederástica e tóxica,
    que uivaram de joelhos no Metrô e foram arrancados do telha-  
      do sacudindo genitais e manuscritos,
    que se deixaram foder no rabo por motociclistas santificados e  
      urraram de prazer,
    que enrabaram e foram  enrabados  por estes serafins humanos, os  
      marinheiros, carícias de amor atlântico e caribeano,
    que transaram pela manhã  e ao cair da tarde em roseirais, na  

      grama de jardins públicos e cemitérios, espalhando livre-   
      mente seu sêmem para quem quisesse vir,
    que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar mas acaba-  

      ram choramingando atrás de um tabique de banho turco   
      onde o anjo loiro e nu veio atravessá-los com sua espada,
    que perderam seus garotos amados para as tres megeras do destino.

Ambivalente

Talvez a renúncia da vida, pelo menos a mais difícil delas, seja renunciar o que se ama em busca do encontro. Pode ser que seja a mais egoísta também. Pode ser que o que encontro seja de encontro ao que não se quer encontrar.
Talvez a segunda renúncia mais difícil da vida é renunciar ao que se deseja, e odiar o que não se quer renunciar. Pode ser que tudo o que verdadeiramente falta é paciência. Minha, tua, nossa, do mundo.
Me aceito mas não quero, me amo e não gosto. Antítese. Ambivalência. Mudo tudo o que não me grada, em mim, em você, em nós. Mudo sozinha, mudo junto, mudo separado. Dói.
Contraditório ou não, vou mudando tudo o que não me agrada e o que não te agrada também, mas mudo sozinha, pois a única coisa que me faz ter força e graça de mudar tudo o que não amo, é ter feito a maior das renúncias de todo uma vida, pelo menos por agora.


30.3.13

Devendra Banhart

Devendra Banhart, ou como gosto de dizer: "um banho de arte". Importado do Texas, crescido na Venezuela, incorpora aos ouvidos mais sensíveis o Freak folk. Com todo charme, delicadeza y colores:


http://www.nonesuch.com/albums/mala

Ossanha, traidor


Depois dele, não tive olhos pra mais ninguém. Na verdade os olhos estão sempre presentes e os olhares sempre são labaredas incandescentes,  mas aqueles olhos, aquela doce renúncia que o olhar entrega mesmo contra a vontade de todos os deuses, esse, não mais.
Ainda que houvesse presença quase que diária era como se nunca mais o tivesse visto. Como se aquele corpo carregasse um outro alguém que eu não tinha mais tanta certeza de conhecer, mas eu conhecia, e amava. Amava e conhecia. O que eu não conhecia era Ossanha. Dentro de mim, Ossanha. Alquimia do amor, Ossanha. Coitado do homem que cai, no canto de Ossanha. Traidor.
E fez-se poesia, e fez se alquimia e pulsavam os tambores enquanto me punha a pensar que depois dele, não tive olhos pra mais ninguém. E todos os deuses se levantaram para me dizer que eu não me enganasse, que Ossanha me tinha olhos vis, olhos dissimulados, como os de Capitu.
Que grande loucura, olhos, Capitu, Ossanha. Quem é que compreende os expoentes de nossa geração? Ginsberg, Assis ou Vinicius? Capitu, o exponte com olhos de ressaca, filha de Ossanha, filha do mar. Ca.Pi.Tu.
E ainda assim, eu sentia: Depois dele, não tive olhos pra mais ninguém. E essa certeza me fez paralisar e repousar num abraço confortável. Em outros braços confortáveis Ossanha se fez, deixanado de lado qualquer desejo meu que não fosse compatível com o seu. E assim, fez-se mar.

Tábua de Esmeralda


Mil noites de verão,
o calor entrelaçante refutando leis da física
Tábua, rochas, preciosas, bem

Uma noite de verão,
a música continuou por outras longas noites
sem leis
nem pudor
nem ardor
nem enlevo

Ouvi uma vez,
num desses tantos vinis, que um pecado leva a outro
outros tantos
nenhum

Outros lençóis,
sem o sabor adocicado
nem o nevoeiro dos cigarros
nem as mil noites de verão
ou a tábua, rochas, preciosas, bem

Mil noites de verão,
sem amanhã
ou perspectivas
ou conversas furadas fora daquele nevoeiro adocicado
das tábuas, dos cigarros, dos pecados

Sem amanhã
ou depois,
ou depois
a promessa silenciosa de mil noites de verão
doce nevoeiro de tábuas preciosas
refutando leis
reis
e jardins.


co-ra-gem, o cão covarde


Não enchia mais casa,
já não sorria
Perdera o brilho,
o encanto
a leveza
a destreza
a suavidade
a delicadeza
todo 'eza'
mistério

A dúvida puxa
lugar desconhecido
escuro
sombrio
fechado
pó, polvo, pueblo

Não
Eu disse não

Mas mais forte que o não
é a incerteza
a possibilidade
o querer
a possibilidade
o não saber dizer não
a possibilidade
o não querer dizer
a possibilidade
calar


Recusa, negação
Sim
Não que diz sim,
sim que diz sim,
talvez que diz sim
tudo diz sim
e eu continuo gritando
não
mas sem esforço de prová-lo
as asas tímidas quase não saem do chão

16.3.13

Dose

Quando percebe que é chegada a hora de abrir mão, talvez seja essa a dose mais dolorida da vida.
Mais dolorosa porque um adeus nunca é fácil, porque um adeus nunca é não choroso. Mas talvez as pessoas se esqueçam que nem todo adeus é pra sempre, que talvez alguns adeuses queiram dizer: ei, até logo, eu ainda te amo.
As vezes precisamos dizer adeus aos deuses de uma vida toda. Se libertar dos seus próprios demônios, aqueles que você mesmo criou e alimentou. Os demônios gritam por dentro e é ensurdecedor. Os demônios que carregamos dentro de nós somos nós quem exorcizamos, acontece que nesse caminho acabamos nos ferindo, ferindo a quem amamos e essa, talvez, seja a segunda dose mais dolorida da vida.
O que fazer vendo o amor se esvair entre anjos e demônios?
O que fazer quando qualquer direção é dolorosa?
Será que há ainda, entre os homens e mulheres, a paciência de guardar o coração, um pelo outro, para sempre, pelo que é verdadeiro?
Enquanto isso, uma dose de qualquer coisa.

                                                                                                                  - Raquel



26.6.12

um chorinho

Até que alguma luz acenda esse meu canto continua. Junto meu canto, a cada pranto, a cada choro até que alguém me faça coro pra cantar na rua (BUARQUE, 1967)

21.2.10

De repente

"E eis que de repente eles param e mudos, graves, espantados se olham nos olhos: é que eles sabiam que um dia iriam amar."

2.11.09

Receita de bolo


Me guarde em um rasgo de lembrança e não permita que o meu coração deixe de bater. Mantenha-me viva. Olhe nos meus olhos e veja além do que todos são capazes de enxergar. Desvende minha alma. Me decifre. Se o negro mar do meu olhar te convidar, não se recuse, não deixe de navegar. Águas profundas, segredos, esconde algo que ainda não tem nome. 

Segure minha mão, inevitavelmente estarão trepidas. Me puxe para perto e abraça-me com força e suavidade. 
Os sonhos de uma noite de verão não dormem no fim, o calor, o perfume, a noite silenciosamente estrelar. Não quero ser o breve rascunho de estação, um vendaval no fim de uma tarde quente. Preciso ser a calmaria, furacão, paz e perdição. Quero ser refúgio certo das horas incertas.